Livro: Chão (2019), de Paulo Freire
- Ranulfo Pedreiro
- 24 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Você pode ir de carro, ônibus, avião, trem ou barco. Mas a melhor maneira de conhecer um lugar é andando. A pé, é possível vasculhar as ruas em busca dos detalhes que se perderiam na pressa habitual do turista. Basta um "bom dia" bem caprichado para começar uma conversa e descobrir que logo ali na esquina tem um cafezinho capaz de reanimar o cidadão.
As cidades e os vilarejos podem ser lidos. Basta vagar pelas ruas olhando a vida. E, como um bom texto, costumam trazer ideias para alimentar o repertório da gente.
Chão - Uma aventura violeira, livro de Paulo Freire, contempla todos os tipos de deslocamentos. Inclusive o mais difícil, quando a gente não se entende com o entorno e vice-versa. É nas caminhadas que o escritor-violeiro vai interpretando as diferentes regiões.

O projeto começou em 2015, quando Paulo Freire e Levi Ramiro foram convidados para rodar o país inteiro com uma série de 120 apresentações por dois anos pelo Sonora Brasil, do Sesc.
Durante as andanças dos dois violeiros - certamente ambos estão entre os melhores -, Paulo fez uma espécie de diário da viagem, bastante espontâneo, pelas redes sociais.
E não é que um texto foi casando com o outro, formando um grande retrato, não aquele posado, mas complexo e rico de um país ainda desconhecido para a maioria dos brasileiros?
Pois bem, Paulo olha para as singularidades. Vai de região em região procurando aquilo que torna cada lugar diferente.
Não é uma narrativa com discurso pronto. Por vezes, o autor discute consigo mesmo, e isso é bom. Ele procura exatamente aquilo que não cabe nos clichês. É preciso assuntar.
Nestes tempos de pandemia, em que o aconselhável é ficar em casa, ler Chão propicia uma viagem sonora, gastronômica e fantástica por recantos que nem sempre são os mais famosos do mapa. Cada qual com suas riquezas.
Além de Levi Ramiro, Paulo se faz acompanhado de Mário de Andrade, Villa-Lobos, Luiz Gonzaga, Câmara Cascudo, Jackson do Pandeiro, João do Vale, Elomar - todos os mestres que reconheceram o valor das peculiaridades regionais.
Há boa dose de humor, às vezes irônico, mas também há espaço para o mistério, que enche a cabeça da gente de interrogações, um terreno onde as certezas podem sucumbir diante do inacreditável.
Não estranhe se o curupira passar correndo por entre as árvores, todas elas prenhas de tempo e memória. A beleza, repentinamente, brota por todo o lado onde existe rio, pedra, vento, mato, bicho, ou seja, a força imensa da natureza coloca a nossa devida pequenez no lugar.
Os rios, por exemplo, são cheios de personalidade, capazes de suportar as mais sofridas intervenções e mesmo assim manter o fluxo constante até o mar. Claro, tem rio que fica bravo. Outros se escondem até darem por sua falta, e aí talvez seja tarde demais.
Se puder, também, escute a música de Paulo Freire e Levi Ramiro. Você certamente vai perceber que o livro não anda sozinho, mas integra-se a uma obra mais ampla que vem sendo construída ao longo de uma vida dedicada à viola, à escrita e aos causos. Há uma coerência natural, constante, feito o rio ali de cima. Depois de ler a obra, o título chega a emocionar de tão perfeito: Chão.
Em 2017, numa das passagens do Paulo Freire por Londrina, tivemos a sorte de fazer um videozinho com ele:
Conheça o trabalho de Levi Ramiro:
E não deixe de ouvir os discos de Paulo Freire:
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