RIMEL, uma ponte musical entre Brasil e Portugal
top of page
  • Foto do escritorRanulfo Pedreiro

RIMEL, uma ponte musical entre Brasil e Portugal

Atualizado: 19 de set. de 2022

Criada pelo produtor e músico londrinense Marcelo Domingues, a Rede Internacional de Música Entre Lugares quer aproximar o cenário independente dos dois países



A ligação histórica entre Brasil e Portugal nem sempre transparece na produção cultural de ambos. Mesmo com a força e a riqueza da Língua Portuguesa, os dois países poderiam - e mereciam - ter um intercâmbio mais intenso. Criada pelo músico e produtor londrinense Marcelo Domingues, a RIMEL (Rede Internacional de Música Entre Lugares) surgiu para aproximar a produção musical independente entre os dois países.


Gestor cultural, Domingues já produziu muitos shows, nacionais e internacionais - Mudhoney (EUA), Mitch & Mitch (Polônia), Silver Shine (Hungria), Rosário Smowing (Argentina) -, coordena o Festival Demo Sul, dedicado à produção independente, e hoje está radicado em Portugal, onde criou a RIMEL.


A aproximação entre a cultura brasileira e portuguesa é tema da entrevista que Marcelo Domingues concedeu à Máquina do Som. Confira:



A ligação cultural entre Brasil e Portugal é histórica. Mas existem laços entre os países na música independente? O que aproxima esses dois cenários, além da Língua Portuguesa?


MARCELO DOMINGUES - A primeira coisa que percebi logo nos primeiros meses em que cheguei aqui, é que Portugal é um país que consome deveras a cultura brasileira, principalmente a música comercial. Diversas bandas e artistas brasileiros vêm realizar shows e turnês aqui, mas não vejo essa recíproca em relação aos artistas e bandas portuguesas no Brasil, sejam elas comerciais ou não. Há 40 anos, nossa maior referência ainda é o Roberto Leal. Acredito que estes laços existem, mas ainda estão a passos lentos. A ideia da criação da RIMEL vem nesse sentido de aproximar e fortalecer este cenário. Além da língua, a variedade de gêneros musicais na cena independente Tuga é tão grande quanto a do Brasil, há bandas e artistas de diversos estilos musicais. Há também uma pequena parcela da mídia (radiofônica) focada em divulgar a música lusófona produzida em países que falam português. Recentemente criei uma playlist que apelidei de play “fixe”, gíria utilizada aqui para designar a palavra “legal”, deixo aqui o link para conferência onde podemos notar essa diversidade a qual eu me refiro.





Apesar do porto seguro da língua, são cenários bem diferentes, com realidades muitas vezes distantes. Como fortalecê-los e integrá-los, já que a costura musical entre Brasil e Portugal leva muitos músicos brasileiros para Portugal, mas conhecemos muito pouco o cenário da música portuguesa no Brasil?


MARCELO DOMINGUES - A maior dificuldade e falta de competitividade que a música portuguesa enfrenta para sua participação em festivais internacionais e turnês está relacionada com a situação geográfica periférica do país face à procura mundial, principalmente dos grandes mercados da Europa Central e das Américas, em especial do Brasil. Trata-se não somente de uma desvantagem ao pouco investimento na criação de apoios específicos, mas também pela falta de um canal de conexão e de articulações entre artistas e bandas independentes portugueses com festivais e/ou produtores de outros continentes. Este custo acrescido é muitas das vezes a razão para a não participação de bandas e artistas portugueses emergentes em certos festivais ou para o pouco investimento em turnês. De fato, a música portuguesa é pouco competitiva em termos internacionais quando comparada com a cena musical de outros países, especialmente a da grande maioria dos países europeus, em que os artistas e projetos com maior capacidade de internacionalização veem as suas participações em festivais, em especial no Brasil, serem realizadas através de conexões entre produtores de festivais e apoiadas financeiramente pelas entidades locais.


A estratégia de exportação da música independente portuguesa deverá passar pela definição de objetivos aos quais possam corresponder programas executáveis a médio prazo através de um conjunto de linhas e medidas programáticas de intervenção.

Creio que os vetores desta estratégia devem concentrar-se em cinco frentes:

1) Organização do setor exportador da música portuguesa;

2) Aposta em gêneros musicais diferenciáveis (além do fado e da música erudita);

3) Escolha de mercados internacionais atrativos e receptivos (como o Brasil);

4) Seleção de atividades a apoiar com capacidade de gerarem valor e aumentarem significativamente o volume quantitativo exportável;

5) Diversificação do financiamento dessa exportação, com recurso a fontes de financiamento estruturais e estatais.


O que o cenário brasileiro pode contribuir com o cenário português, e vice-versa?


MARCELO DOMINGUES - São países com muita produção musical (festivais, feiras, convenções musicais, produção fonográfica e audiovisual). Essa contribuição pode ser mútua no sentido da promoção à difusão e circulação de artistas em ambos territórios. A exemplo disso, os festivais, pela importância que assumem hoje em termos midiáticos, e o interesse que despertam em grandes marcas de consumo, mas principalmente pelo impacto que têm em determinado mercado são, por excelência, o fio condutor de uma construção efetiva na carreira artística. No mercado da música, são uma das principais plataformas de contato com públicos internacionais e com consumidores “especialistas” em certos gêneros musicais. Além de criar canais de exportação e internacionalização, ambos cenários podem promover um ambiente de diálogo entre agentes culturais brasileiros e portugueses explorando novas abordagens em relação ao mercado musical entre os dois países e assim dinamizar bens e serviços oferecidos pelo setor, fortalecendo o mercado musical e produzindo garantias econômicas as bandas e artistas de ambas as partes. Naturalmente, isso vai contribuir para formação de novos públicos, produtores e beneficiará grupos de interesse de diferentes setores.


Quando falamos em “música independente”, estamos falando de toda a produção não-comercial ou existe uma limitação de gênero?


MARCELO DOMINGUES - Essa é uma questão complexa. O termo 'indie' ou 'música independente' pode ser rastreado desde a década de 1920, após ter sido usado pela primeira vez para fazer referência a empresas de filmes independentes, mas foi usado posteriormente como um termo para classificar uma banda ou produtor musical independente. Selos independentes têm uma longa história de promoção de desenvolvimentos na música popular, que remonta ao período do pós-guerra nos Estados Unidos, como Sun Records, King Records e Stax. A Recording Academy, famosa como a organização por trás do Grammy Awards, começou na década de 1950 como uma organização de 25 gravadoras independentes, incluindo Herald, Ember e Atlantic Records.


Na Inglaterra, durante os anos 1950 e 1960, as grandes gravadoras tinham tanto poder que os selos independentes lutaram para se estabelecer, até o lançamento de novos conceitos como a Virgin Records. Vários produtores e artistas britânicos lançaram selos independentes como saídas para seus trabalhos e artistas de que gostavam. A década de 1990 trouxe as Affiliated Independent Record Companies (AIRCO), cujo membro mais notável foi o selo de punk-thrash rock Mystic Records. É por essas e outras narrativas que comento que o termo “música independente” se tornou uma questão muito complexa.


Você foi para Portugal por conta da pandemia?

MARCELO DOMINGUES - Na verdade, não! O planejamento era ter vindo no início de 2019 e justamente por conta da pandemia tive de adiar. Já há algum tempo eu estava procurando um curso ligado à área de gestão cultural. No final de 2018, logo após a última edição Demo Sul, eu comecei a pesquisar e descobri que havia um mestrado nessa área aqui nas Caldas da Rainha. Cheguei até me inscrever na época, mas não dei sequência ao processo devido à instabilidade que a pandemia ocasionou.


Outro fator que me trouxe a Portugal foi o desmonte da política cultural e de outras políticas públicas promovido por esse desgoverno do Bolsonaro. Foi um momento de angústia, onde todos aqueles que de alguma forma estão ligados ao segmento cultural viram o ministério que nos representava ser extinto do dia para a noite.


Como ficou o Demo Sul?

MARCELO DOMINGUES - Em 2016, além do apoio do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Londrina) também fomos premiados pela FUNARTE. Com esse aporte, conseguimos realizar uma edição do festival com excelência. Tivemos 33 bandas (entre nacionais e internacionais) divididas em seis palcos espalhados pela cidade. Conseguimos trazer 17 produtores de festivais da América Latina para participar do simpósio e das rodadas de negócios, além das atividades de formação, como oficinas e workshops.


E em 2017 realizamos o festival sem nenhum apoio financeiro. Essa instabilidade me desestimulou e me fez repensar o modelo e conceito do festival. No primeiro momento, cheguei a pensar em parar com o projeto. Estava sendo muito desgastante continuar nessa instabilidade, mas isso seria injusto com os artistas e uma perda para o patrimônio cultural de Londrina.


Então a ideia foi transformar o Demo Sul em um projeto bianual, não tendo mais a obrigação de realizá-lo ano a ano. Assim, ganharíamos mais tempo para estudar os editais, negociar com os patrocinadores e estruturar a programação e as ações do festival. Mas aí veio a pandemia e adiou todos esses planos. Agora, para 2022, em parceria com coletivos e artistas de Londrina, voltamos a inscrever o Demo Sul no Promic, para realizar uma edição híbrida (presencial e online ao mesmo tempo). Os shows vão acontecer com a presença do público e a ideia é transmiti-los em tempo real para uma mesma edição que também pretendemos realizar aqui em Portugal. Sim! A ideia é que o festival aconteça simultaneamente em Londrina e nas Caldas da Rainha.


O modelo do Demo Sul pode ser adaptado para Portugal?


MARCELO DOMINGUES - Acredito que sim, mas para isso precisamos repensar o conceito do festival como um todo. Um dos principais objetivos agora é auxiliar as cenas musicais destes dois territórios a criar conexão entre si, fortalecendo iniciativas (como a RIMEL) que estimulem o intercâmbio, assim contribuindo para circulação territorial entre bandas e projetos musicais produzidos entre os dois países. Isso favorece a inovação política e sociocultural e é particularmente importante para as novas gerações. Antes de vir para cá, eu fiz uma breve pesquisa e contabilizei cerca de 60 festivais nos mesmo moldes do Demo Sul. Aqui nas Caldas da Rainha existe um chamado Impulso, é um festival novo que chegou à quarta edição neste ano, mas que movimenta a comunidade local e a cena musical independente do país.


Caldas da Rainha é uma cidade relativamente pequena quando comparada a Londrina, tem cerca de 31 mil habitantes, porém é uma cidade que oferece equipamentos culturais, mobilização e difusão às frentes das ações propostas pelo Demo Sul e possui uma comunidade universitária ativa nas artes.


A ESAD (Escola Superior de Arte e Design), instituição onde estou cursando o mestrado, recebe cerca de 500 alunos por ano em seus mais diversos cursos, que vão do teatro, som, imagem e artes plásticas à programação e produção cultural. Além disso, um estudo realizado em 2020 identificou estrangeiros de 40 nacionalidades residindo na União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro, nas Caldas da Rainha, sendo o Brasil o país de onde é oriundo o maior número de estrangeiros, com 296 residentes, divididos por 19 agregados familiares.


Entretanto, a política cultural aqui em Portugal ainda está em processo de desenvolvimento, não existe uma política pública de cultura como conhecemos no Brasil (a exemplo das leis de incentivo ou dos programas de fomento). Aqui, em muitas cidades, ainda trabalham a cultura como “política de balcão”, onde você apresenta a proposta direto ao executivo e negocia as condições de patrocínio. Esse vai ser nosso maior desafio.


SERVIÇO - Rede Internacional de Música Entre Lugares (RIMEL)

Mais informações pelo e-mail demosul.festival@gmail.com


A Rede Internacional de Música Entre Lugares (RIMEL) tem como parceiros a Alma

Londrina Rádio Web, Festival Demo Sul, Feira Internacional da Música do Sul (FIMS), Festivais Brasileiros Associados (FBA) e Gazeta das Caldas.

184 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page