Rakelly Calliari canta o Vento em seu primeiro disco solo
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  • Foto do escritorRanulfo Pedreiro

Rakelly Calliari canta o Vento em seu primeiro disco solo


Rakelly Calliari é daquelas artistas cuja coerência não deixa margem para dúvidas. A paixão pela música popular transparece nas palavras, nos gestos, no repertório e no respeito a uma tradição dotada de sabedoria histórica, mas que não hesita em se renovar, chegando às novas gerações.


Vento, seu primeiro disco solo e autoral, é um exemplo desse apego às raízes, mas sem deixar de olhar o futuro, que surge com um norte. Essa ponte entre tradição e contemporaneidade confere liberdade para misturar sem errar no tempero.


Samba pro Raul, considerado um jequibau, traz suingue em compasso 5x4, mas mantém a espontaneidade de quem está cercado por amigos de longa data, valorizando o instrumental.


O clima descontraído não esconde performances robustas, pois a voz segue certeira e precisa, sem ceder à sedução do exibicionismo.


Rakelly se integra à experiência coletiva que o samba e outros ritmos populares proporcionam sem forçar um protagonismo, que surge naturalmente, dedicado à melodia e às palavras, conferindo consistência a todo o repertório, que é por si só bem desenhado.



Vento - a faixa tírulo, em parceria com o multi-instrumentista Filipe Barthem, apresenta-se como um dos destaques - é um belo disco, construído em uma época difícil, carente do contato pessoal. Destaque para o rol de músicos e produtores participantes, como o violonista Israel Laurindo, que se foi precocemente.


Mais do que um registro pessoal, Vento tem a manufatura do trabalho coletivo, a várias mãos, com sinergia para enxergar os novos tempos. Ao todo, mais de 20 músicos reconhecidos do cenário musical londrinense participam das gravações, fortalecendo a cena local.


Há resultados emocionantes, como o tango Letreiro, que fala muito sobre o que há dentro de todos nós, ou Flor do Café, com a Sinfonia dos Sapos da compositora e pesquisadora Janete el Haouli. A coerência, além da espontaneidade, alcança a profundeza das verdades.


A mistura de Rakelly Calliari é verdadeira sem ser purista. Vale um bocadinho de cada coisa porque, quando o Vento sopra, 1+1 dá sempre mais do que 2.



A seguir, um bate-papo com a cantora e compositora Rakelly Calliari:


Como foi o encontro entre você e a música afro-brasileira? Foi paixão à primeira vista?

Foi, a paixão pelo samba foi à primeiríssima escuta. Comecei a estudar música aos cinco anos e me lembro como se fosse hoje do impacto que me causou Na baixa do sapateiro, do Ary Barroso. Se eu pudesse, tocava aquilo o dia inteiro. Ainda naquela época, as referências em casa eram múltiplas, de música gauchesca, latina, bossa nova, muita MPB. Disso eu ia pescando umas referências que depois pude explorar melhor fuçando os sebos de Londrina, e também graças a uma coletânea que a RGE lançou no início dos anos 2000 e que era vendida baratinha nas Lojas Americanas. Aí fui devorando compositores como Assis Valente, Geraldo Pereira, Wilson Batista. Em torno desse gosto fui conhecendo a turma dos movimentos de cultura popular e do samba em Londrina. Gosto pode ser uma forma rasa de dizer, é mais uma filosofia de vida.


Quem apareceu primeiro? A Rakelly cantora ou a Rakelly compositora? Como você começou a cantar e como você começou a compor?

Essas categorias são curiosas, porque elas acontecem mais de fora pra dentro, no sentido de que um artista depende sempre de uma legitimação que não depende só dele. Nesse sentido, a compositora veio depois. Mas na minha experiência individual com a música, a compositora veio antes, e com toda certeza é quem sempre falou mais alto, minhas grandes influências são os compositores e compositoras, cada vez mais as compositoras.

Sobre as origens dessas duas práticas... Minha memória de compor vem desde sempre, ainda criança eu gostava muito de criar melodias, de fazer paródias, de batucar, essas brincadeiras de criação. E o canto sempre foi uma vontade, volta e meia acontecia na escola regular, na escola de música, mas só fui ter acesso a estudar esse instrumento de verdade quando vim para Londrina, aos 17 anos, e nunca mais parei.


Meu interesse nunca foi me tornar uma virtuose, mas usar o canto como instrumento a serviço desse repertório popular e autoral. Mas, pra fazer isso com o devido respeito, tem que estudar.


Você trabalha há bastante tempo com o grupo Samba Sim… Quando você viu que era hora de lançar um disco próprio?

Isso veio de um movimento ocorrido nos últimos anos, que desaguou no projeto Trilhas do Sul, em que eu quis investigar as raízes musicais da minha infância, explorar aquilo que o Vitor Ramil chama de “estética do frio”. Isso foi muito interessante até pra entender por que eu, dentro desse meu corpo obrigatório, sem laços sanguíneos com nossos povos originários ou com os africanos, me sinto tão em casa dentro do samba. Ao mesmo tempo me deu liberdade para visitar outros gêneros, recuperar composições que não cabiam no Samba Sim.


Todo esse processo me levou a pensar em gravar, o que seria um projeto para iniciar este ano, mas meu parceiro musical Israel Laurindo me convenceu a começar antes, o que me deu a chance de fazer isso ainda com sua presença.



Gostaria que você falasse um pouquinho do repertório, como foi a seleção das músicas e a concepção dos arranjos… Enfim, como o disco foi ganhando o seu jeito, a sua cara?

Essa produção foi muito uma “triceria” minha com Israel e o Hermano Pellegrini, que fez a maioria das captações, mixagem e masterização. Foi muito rico, porque não tínhamos uma base instrumental pré-formatada, então pudemos pensar na instrumentação para cada faixa de uma forma mais ou menos livre e criar essa identidade em que coubessem gêneros tão diversos como samba, coco, jequibau, valsa, tango... De maneira geral, é justamente o trabalho colaborativo e a sonoridade mais orgânica, sem eletrônicos ou muitos efeitos, que deu a cara pra esse conjunto de canções. Para “puxar” os arranjos, chamamos ainda o Rafael Fuca e o Arrigo, que são parceiros de longa data.



Vento é uma música que surgiu durante a pandemia… Como foi, artisticamente, enfrentar esse período em que os palcos se fecharam e a música se refugiou nas lives?

Além de Vento, há outras composições desse período recente que entraram no álbum e mais outras tantas que ficaram de fora, porque de fato foi muito duro a gente ter que se recolher, e a criação se tornou também uma forma de ir levando as coisas, de não perder o contato. Também foi um tempo de muita reflexão, e a gravação do disco é uma consequência disso, de a gente parar pra pensar que projetos longínquos da nossa cidade muitas vezes não têm um registro mais formal. Até porque a tecnologia avançou muito, mas produzir um disco ainda demanda recursos humanos, materiais e tecnológicos que não estão ao alcance de todos como pode parecer, muito menos a distribuição do material acabado. Eu brinco que gravar um disco independente foi quase o equivalente a fazer um MBA em gestão. E começamos a gravar em outubro, então ainda tivemos a ômicron no meio do caminho.


Sempre que se fala em lançamento de disco, a gente fica esperando um show… Vocês já planejaram um lançamento nos palcos?

Mas, imagine que depois de tanto trabalho, a gente ia passar sem uma festinha? Será dia 06/09, véspera de feriado, às 20h, no Espaço Nave. É um espaço muito bonito, no final da Rua Guararapes, mantido por um coletivo de jovens artistas aguerridos e que admiro muito.

Na mesma noite, minha amiga Camila Taari vai apresentar as canções do EP Canções de Não Ninar, que foi lançado em dezembro, ficou lindo demais, e ainda não tinha tido um show de lançamento.


Como o cenário londrinense tem contribuído para difundir e fortalecer expressões da cultura popular?

Londrina tem uma cena da qual devemos nos orgulhar, e isso se deve tanto à profusão de talentos artísticos, quanto à perseverança dos nossos - ainda poucos - produtores culturais. A consolidação da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e da rede de Vilas Culturais é algo importante para o setor, em paralelo com as iniciativas privadas e independentes.


Meu sonho é que a gente possa conhecer mais e valorizar os trabalhos locais que ocorrem ao longo do ano, fora dos circuitos dos festivais. Que a gente fale com a mesma familiaridade sobre o LEC e de nomes como Núcleo Ás de Paus, Banda Maracajá, Palhaço Ritalino, Carão Capstyle... Dá pra passar uns dias citando nomes, e a cada dia vem um novo brilho. A gente mora no melhor lugar do mundo.


Lançamento

Álbum Vento de Rakelly Calliari (Pré-save disponível)

Produzido por Rakelly Calliari, Hermano Pellegrini e Israel Laurindo

Apoio: estúdios Cão Diamante, Jozzolino Audio, Quebec e Plugue.


Fotos: Eduardo Calliari


Contato e mais informações disponíveis em: rakellyc@gmail.com


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