Em algum lugar incerto da África islâmica o mar virou areia e a água desapareceu, deixando um barco cercado por um oceano de dunas. Ali, no meio do nada, vivem Dodola e
Habibi, duas almas regidas pelas interpretações do Corão, da Bíblia e um universo de anjos, ritos, lendas e histórias que pertencem à origem da civilização.
Nada disso, porém, pareceria tema para uma história em quadrinhos. Isto é, caso a chamada arte sequencial ficasse reduzida ao universo infanto-juvenil que lhe rendeu
fama de produção descartável – o gibi.
Mas os preconceitos já abandonaram as HQs, que ganharam o formato de livros luxuosos e há anos estão focadas no universo adulto, seus dramas e suas crenças.
Trata-se de uma arte em si, com características próprias de escrita e linguagem gráfica. Sim, as histórias em quadrinhos cresceram e foram saborosamente apropriadas pelos marmanjos.
Lançada em bela edição pela Quadrinhos na Cia., Habibi é exemplo de como uma HQ pode chegar às profundezas do que nos faz humanos – sentimentos, incertezas, conhecimentos, histórias – de forma surpreendente.
Escrita e desenhada pelo americano Craig Thompson, Habibi tem proporções clássicas ao abraçar infinitas histórias em uma mesma narrativa, tendo como fonte o próprio Corão, mas também a filosofia grega e a cabala.
Partindo de belos temas religiosos, Craig Thompson conta uma história em que, como o mar pode virar areia, os opostos se dialogam e se confrontam. Assim, surge uma mãe capaz de amar mais o filho adotivo do que o legítimo; um jovem que repudia o sexo; um sultão corroído pelo tédio gerado pelo excesso.

São trajetórias doloridas, cruas, muitas vezes chocantes, narradas sem meias palavras em passagens trágicas. Mas também repletas de humanidade e sabedoria.
Habibi é, portanto, uma obra grandiosa e, como tal, às vezes esbarra na própria pretensão ao desenrolar mistérios universais dentro de uma narrativa carregada de desejo – um desejo mutilado, seco e cruel como o deserto a traçar o caminho rude e acidentado de duas pessoas que buscam apenas um lar.
Craig Thompson é também o autor de Retalhos, outra HQ que se tornou referência por investigar os sentimentos
contraditórios da adolescência.
Habibi saiu originalmente em 2011, e está desde 2012 no catálogo da Quadrinhos na Cia., selo da Companhia das Letras. O livro é indicado para maiores de 18 anos.
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