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Foto do escritorRanulfo Pedreiro

Elisa Gudin lança O Melhor Carinho

O samba é um gênero que exige dedicação e, por isso, costuma maltratar os aventureiros, deixando-os desconfortáveis diante da malemolência do ritmo.


Felizmente, não é o que acontece com Elisa Gudin, cuja naturalidade se espalha por todo o EP O Melhor Carinho, lançado em agosto. O disco é uma homenagem que Elton Medeiros recebeu ainda em vida (o compositor morreu no dia 4 de setembro).



São apenas quatro faixas, já disponíveis nas plataformas digitais, mas todas com a assinatura de Elton, especialmente a melodia bem definida, inseparável da letra.


Elisa é filha de Eduardo Gudin e desde pequena está imersa no mundo da música. Conheceu Elton Medeiros na infância e, depois, na vida adulta, percebeu a grandeza do sambista que, além de amigo, era parceiro de Eduardo.


Toda essa proximidade se reflete na espontaneidade das quatro canções. Não há firulas ou artifícios, o samba flui e conquista por si, graças à simplicidade certeira da intérprete.


A voz clara e leve de Elisa Gudin fica à vontade nas melodias de Elton Medeiros, capazes de contrastar alegria e tristeza como um jogo de luz e sombra, permitindo que sentimentos opostos enriqueçam a mesma canção: “Sorri / Depois do beijo, sorri / Depois do abraço, parti / Marcamos um novo encontro / Tu não vieste / Fiquei triste”, canta em Sorri (Elton Medeiros/Zé Kéti).


Há ainda o instrumental, próximo do choro, com músicos que entendem do riscado e não aparecem mais do que precisam. Essa temperança é outra qualidade do EP e surge sem esforço, revelando intimidade e dedicação.


O resultado é saboroso e atual. E mostra como as novas gerações vêm compreendendo o samba e sua contemporaneidade temática, identificando-se na tradução dos próprios sentimentos.


São, portanto, vários os acertos de O Melhor Sentimento: o timing ao homenagear um grande sambista; as composições de autores impecáveis (Elton, Eduardo Gudin, Cartola, Zé Kéti, Roberto Riberti); o instrumental de poucos e bem executados instrumentos mantém o clima intimista sem perder vigor rítmico; e o envolvimento da intérprete, que está à altura do repertório porque sabe o que canta.




Confira a entrevista com Elisa Gudin:


Você conviveu com Elton Medeiros. Gostaria que você falasse um pouco sobre a personalidade, como ele era no dia a dia, a parceria dele com Eduardo Gudin e a importância de Elton Medeiros para a música brasileira.


ELISA GUDIN - Na verdade, minha relação com Elton existiu mais quando pequena. Principalmente na época em que morava com meu pai e o acompanhava nas gravações e shows. Assim, posso dizer, que não entendia bem quem era Elton Medeiros como figura importante na nossa música, para mim Elton era mais um amigo de meu pai que fazia shows com ele e tocava aquela mágica caixinha de fósforo. Obviamente, quando adulta o encontrei algumas vezes em shows, mas sempre tudo muito rápido. A última vez que o vi, foi em um show que meu pai idealizou no Sesc SP em homenagem a ele, em 2013, conversamos rapidamente, dei um beijo emocionada e foi isso.

O entendimento sobre aquela figura já era outro.


Em relação a personalidade de Elton, não tenho propriedade para falar muito, mas o pouco que consigo relacionar de minha experiência quando pequena e minha experiência adulta é de que Elton tinha uma personalidade extremante forte, exigente com o que fazia, íntegro, elegante em sua música e dono de algumas clássicas “patadas”.


Elton era muito amigo de meu pai e possuem quatro músicas juntos.

Duas eu gravei no EP: O melhor carinho (Elton/Gudin) - essa meu pai contou que foi a primeira música que ele se assumiu como letrista, feita em 1985 - e Estrela (Gudin/Elton/Roberti Riberti). E outras duas, Desclassificada (Gudin/Aldir Blanc/Elton) e Fica esse samba comigo (Gudin/Elton/Costa Neto), esta gravada por Leila Pinheiro em 1992.


Elton possui importante papel na música brasileira, na sua maneira de fazer melodias e em sua forma natural de cantar. Sua história dentro de sua música, trazendo o morro, o lado de blocos carnavalescos, escolas de sambas, junto a isso tem também o lado de seu professor Heitor Villa-Lobos, nos proporciona como resultado uma produção artística de alta qualidade e diferenciada. Trompetista, trouxe em suas melodias um grande refinamento, algo que o destaca mais ainda em suas composições.


Parcerias com os nomes importantes da nossa música, como Paulinho da Viola, Hermínio Bello de Carvalho, Cartola, Cacaso, Zé Keti, Eduardo Gudin, Paulo César Pinheiro, entre outros, e gravado também por intérpretes tão importantes para a nossa música, como Elis, Nara, Elizeth... Só nós deixa claro como Elton é um mestre.


Ao meu ver era fundamental para Elton que a qualidade da música brasileira fosse passada adiante, algo que nos traz uma vasta leitura e percepção do que nossa música deve ter e ser, fazendo pensar sobre o entendimento, sobre o estudo e sobre nossa educação dentro da preservação e divulgação da cultura popular.




Gostaria de saber mais sobre a pesquisa que você fez sobre Elton Medeiros e como ela influenciou na escolha do repertório do EP.


ELISA GUDIN - Minha pesquisa sobre Elton ainda está sendo feita. Cada vez vou me aprofundando mais, vou pensando em algo novo para a gravação do disco que pretendo lançar em 2020. Para mim, Elton, com cada parceiro, transita em um lugar na música. Mesmo tendo uma identidade muito forte em suas melodias, consegue trazer algo diferente, mas sem perder sua identidade, que salta em suas músicas. Meu estudo e repertório tentam trazer isso tudo.


No EP, primeiramente escolhi Estrela (Gudin/Elton/Roberto Riberti), uma música que sempre esteve presente em minha vida e que não poderia faltar. Música que me emociona e me identifico demais com a letra. Sofreguidão é uma música que sempre me tocou, também não poderia faltar.


Após isso, em uma conversa com Gian Corra, escolhemos a música Sorri (Elton/Zé Keti), gostamos da ideia de ser menos conhecida e pensamos que casaria com minha voz, minha forma de cantar, letra doce, forte e que seria uma música bacana para Gian pensar no arranjo.


Após a escolha dessas três músicas, a ideia do EP já tinha surgido, mas faltava uma. Sem pressa, deixei para ir pensando com calma e aí ela apareceu pra mim. Vidal Assis, parceiro e grande amigo de Elton, me lembrou em um encontro, de O Melhor Carinho, letra de meu pai com melodia de Elton.


E pronto, foi isso. Ao recordar, escutar a letra e tudo o que dizia, achei a música que faltava. Ela coube tão perfeitamente no repertório que acabou dando nome ao EP.


Para mim, o processo de escolha de repertório do disco, ao mesmo tempo que foi pensado com carinho e cuidado, foi sendo realizado aos poucos e tomando forma ao longo de um período grande de transformação que eu estava vivendo. Foi lindo e assustador perceber que as músicas que escolhi no início desse percurso, sem saber o que estava por vir, também sinalizavam e me acompanhavam nesse processo pessoal que estava vivendo. Cada música que gravei sem querer conversava com o que eu vivia, o que foi muito difícil, mas especial. Cada música representa muito para mim.




O choro e o samba cativam muitos músicos da nova geração. Por que as rodas têm atraído tanto os jovens?


ELISA GUDIN - Acho que o samba e choro sempre cativaram os jovens. Ao meu ver, o que está ganhando força novamente é a necessidade de voz por estarmos em um momento muito difícil culturalmente para o nosso país. A necessidade do encontro, da troca afetiva e cultural que as rodas oferecem.


O samba é um dos elementos mais representativos da cultura popular do Brasil, uma forma de expressão de nossas raízes e problemas sociais, com isso a percepção que é preciso continuar a ocupar os espaços cada vez mais, continuar a trazer nossas origens à tona e mostrarmos a força que esse país possui culturalmente está sendo necessária e vindo com tudo, isso pode ser um movimento que está se formando naturalmente e trazendo cada vez mais jovens buscando por expressão.


Fora isso, no momento atual da nova geração dentro do samba e choro, temos muitos músicos que se tornaram renomados e que são referências para muitos jovens, isso também faz com que os jovens se identifiquem e queiram atuar, aprender e conviver nesses espaços junto a esses músicos que são seus ídolos.



Por que você optou por esse formato de EP com quatro canções? Qual a sensação de estrear em disco?


ELISA GUDIN - Optei por esse formato na verdade pra sentir um pouco como seria gravar um trabalho como esse. Com o EP consegui ir amadurecendo e entendendo um pouco mais o repertório que busco cantar de uma figura tão importante para a nossa música como Elton Medeiros, antes de idealizar o CD por inteiro.



Como é a rotina de transitar entre Rio e São Paulo? Há proximidade entre os cenários de samba e choro das duas capitais?


ELISA GUDIN - A rotina de transitar entre Rio e SP sempre esteve em minha vida, porém agora veio o lado profissional.


Eu amo isso! Amo poder transitar entre as duas cidades e absorver o que as duas possuem e oferecem culturalmente. Há sim proximidade e muita! Acho que elas se completam.


Há vários aspectos que poderia citar aqui, mas não gosto e tomo muito cuidado para não entrarmos naquele papo de que o samba em um lugar é de um jeito e em outro de outro, que um é melhor que o outro.


Obviamente cada cidade tem algo específico por sua forma de ser, por sua geografia, até pelo clima de cada uma, e isso faz com que cada uma traga uma particularidade dentro da nossa música.



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