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Sobre gente e passarinhos

Foto do escritor: Ranulfo PedreiroRanulfo Pedreiro



Ouço o canário da terra cantando na jabuticabeira e, do nada, me vêm pensamentos sobre a mortalidade. O tempo poderia ser isso: um canário cantando intensamente na jabuticabeira. Mas, não. O tempo nos agride com a idade.


Não coloquei a banana habitual no galho frequentado pelos sanhaços e, talvez por isso, um deles veio perto, como se reclamasse da falta de comida. Pedi desculpas em pensamento e fui lá colocar a fruta.


Creio que o livre arbítrio foi o maior de nossos castigos. Pensar é um peso e, por causa disso, sofremos. Fôssemos irracionais, estaríamos agora zanzando por aí, apenas a comida habitaria nossa mente. Mas não, pensamos e complicamos as coisas.


Uma criptomoeda, por exemplo. Surgiu para alguns ganharem dinheiro. Tente explicar a um sanhaço o que é o dinheiro. Ele vai se desinteressar, não se come, não dá asas, não escancara o horizonte.


O pensamento nos aprisionou. É praticamente impossível viver por viver, como fazem os passarinhos.


A pessoa nasce acompanhada de CPF, conta de luz, plano de saúde e toda essa tranqueira que nos obriga a trabalhar incessantemente para… Viver.


Chegamos a tal ponto que o desprendimento dos passarinhos nos parece impossível. Como viver sem um boleto? Sem um carro automático? A verdade é que o dinheiro desvirtua.


Um passarinho, caso conhecesse o dinheiro, perderia-se entre as próprias vontades, submisso ao conforto. Não voaria e não cantaria. O sentido esvaiu-se.


Estaria condenado a assistir séries ruins enquanto a barriga aumenta, a companheira reclama, os filhos rebelam-se. Já não seria um passarinho, mas um prisioneiro desinteressado até nos mais rasos dos voos. Em outros tempos, a pedra do estilingue seria bem vinda.


Mais próximos, os cachorros já sofrem com nossas besteiras. Andam por aí feito gente, de meias, brincos e unhas pintadas.


Não se assustem com o mau humor. O fato é que a vida é curta como o canto de um canário. Mas ainda há tempo de ser bicho.



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